Pai, eu iria me calar, foi o que me recomendaram, mas meu corpo e minha alma estão cansados demais para aguentar, então, peça para eles pararem, AGORA!
Eu sei que sempre serei a “sua garotinha”, nada nem ninguém poderia mudar isso, e você nunca quis me magoar. Essa não era nem nunca foi a sua intenção, mas nem sempre fazemos as escolhas certas, não é mesmo?!
Você era meu herói, mas antes disso era aquele que me deu a vida, ensinou-me tudo o que sei, minha maior fonte de segurança, inspiração e eu te amava tanto…
Na escola, escutei de muitos garotos o quanto eu era linda. Alguns diziam gostosa, não me importava, muito pelo contrário, me envaidecia e eu nunca reclamei. Alguns, pela minha falta de incômodo submetida aos elogios, achavam-se no direito de ir adiante com passadas de mãos e alguns apertos, aquilo sim me zangava… Mas tudo bem, era na escola e você já foi um deles. Um dia eles iriam crescer e se tornariam homens de bem, como você, pai.
Na faculdade, as festas eram muito mais interessantes que os estudos e, como minhas notas estavam excelentes, não via problema algum em me divertir, beber com meus amigos. Em diversas festas, embriagada, fiquei com caras que nem recordo o nome: como isso teria ocorrido? Eu não me lembro e nenhum deles fez a mínima questão de me contar… Mas tudo bem, era na faculdade e você já foi um deles. Um dia eles iriam crescer e se tornariam homens de bem, como você, pai.
No trabalho, sempre fui uma profissional dedicada e entre tantos homens, era normal alguns me assediarem com olhares e palavras muitas vezes de baixo calão… Mas tudo bem, era no trabalho e você já foi um deles. Um dia eles ainda iriam crescer e se tornariam homens de bem, como você, pai.
No bar, encontrei o homem da minha vida: ele instantaneamente se tornou o cara que eu gostaria de chamar de meu para todo o sempre. Parece bobo, mas eu me apaixonei no instante em que o vi: ele era galanteador, bonito, inteligente e me ofereceu uma bebida. Aceitei, afinal, que mal haveria em uma bebida? Não recordo direito, tudo ficou embaçado. Minhas amigas que me acompanhavam viram o cara me levando para um carro e logo me socorreram, sorte a minha… Mas tudo bem, era em um bar e você já foi um deles. Um dia eles iriam crescer e se tornariam homens de bem, como você, pai.
Mas hoje, chegando em casa após um dia exaustivo de trabalho, com a chave já posta na porta, três homens me seguraram por trás, entraram antes mesmo de mim na minha própria casa, com uma autonomia e confiança que me encheram por completo de um medo indescritível e, antes mesmo de conseguir gritar, tamparam minha boca e me jogaram com força no chão da sala. Sob o tapete felpudo que você e a mãe me deram neste último natal, eles arrancaram minha roupa, minha dignidade e minha fé de que um dia eles iriam crescer e se tornariam homens de bem, como você, pai.
Tudo bem, a culpa talvez não seja diretamente sua, pai, mas não me chame de egoísta ou hipócrita por culpá-lo. Você já foi uma daquelas crianças que gritavam para meninas, sejam elogios ou ofensas, julgando-se um ser superior. Você já foi um daqueles jovens que se aproveitou de uma garota embriagada para tirar vantagem. Você já olhou indiscretamente para uma moça sem saber do quanto a estava intimidando. Você pode nunca ter estuprado uma mulher, mas ainda assim, com pequenos gestos grosseiros permitiu que outros o fizessem.
Mas você nunca foi mulher, pai, como poderia entender?
Ou melhor, você não foi nada disso que eu disse. Você foi, pai?
Interpretação em português e inspirado em Dear Dad