Gente, esse blog está chique demais!! Como vocês sabem, postamos por aqui textos (além de tirinhas, entrevistas e outras coisas) que falam sobre relacionamentos, porém, hoje teremos a colaboração de um filósofo e professor doutor da UFCG. No fim, esse texto acaba sendo dedicado àqueles que gostam de pensar nas relações de amizade e amor e que gostam de uma leitura que abrace a filosofia. Eu adorei =)
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Amor ou amizade? Esta poderia ser uma questão posta por quem, de repente, se depara desejando alguém que sempre teve apenas como amigo. E logo em seguida, em um caso assim, vale perguntar se esse sentimento, de fato, brotou de uma hora para outra, ou se apenas se tratava de um sentimento adormecido que vem à tona quando menos se espera. Questões como estas não poderiam ser respondidas sem uma definição para a significação do amor e da amizade. Será que podemos pensar em amor, quando se trata do relacionamento entre pessoas que se têm como amigas? A resposta que normalmente é posta quando perguntamos pela relação entre amor e amizade é a de que é preciso considerar o envolvimento sexual ou não nas relações das pessoas. Respondendo assim, estamos certos de que há, de fato, uma separação entre amor e amizade, tendo, por um lado, um relacionamento que envolve desejo, paixão e que culmina nas relações sexuais; por outro, um relacionamento em que há ausência do desejo, como se se tratasse de uma ralação que fica mais no âmbito da espiritualidade ou da razão. É como se na amizade não se admitisse o afeto, e muito menos se pudesse permitir a possibilidade de encantamento pelo corpo do outro. As pessoas amigas mantém uma relação assexuada, como se fossem pessoas que se vissem entre si como almas desprovidas de sexo.
A reflexão que podemos fazer a partir de entendimentos conforme o exposto aqui é de que precisamos nos dar conta de que, sejam como amigos ou amantes, as pessoas são igualmente humanas, que não poderiam ser pensadas em sua existência desvinculados de seus corpos. Ou seja, falar de ser humano é falar de corporeidade, o que significa também falar de sentimentos. Trata-se aqui de compreender uma existência possível a partir do corpo, onde estão situados os sentidos. Por estes, aproximamo-nos da textura, do movimento, da voz e da fragrância, assim como da imagem que temos diante de nós, todas as vezes que lidamos com o outro. Esta aproximação implica sentir, de algum modo, a presença da pessoa com quem nos comunicamos. Considerando que a comunicação se faz por uma interação entre partes, quando a linguagem se faz meio para que os nossos pensamentos possam chegar ao nosso receptor, não podemos ignorar os sentimentos que perpassam por esta comunicação, sendo estes sentimentos a manifestação de todo sentir que se estabelece no encontro dos sentidos dos diferentes corpos, postos um para outro. A presença que demarca esse encontro se fará mesmo a distância, quando recorremos ao nosso imaginário para sentir o outro corporificado na imagem que passamos a conceber quando pensamos na pessoa, estando ela diante de nós ou não. Mas este sentir não seria possível sem que, de um modo ou de outro, o sentimento não se fizesse efetivamente na comunicação que, antes de ser um intercâmbio mental, é a manifestação de corpos que se põem a pensar juntos a partir da reciprocidade do sentir.
Assim pensando, consideramos a possibilidade do desejo numa relação, seja ou não entre amigos. Pois não seria possível pensar a atração entre os corpos sem a devida aproximação de uns com os outros. De quem nos aproximamos, e quem desperta o nosso desejo? Não o sabemos, se não nos depararmos com o outro, seja este com quem temos estabelecida uma relação amorosa ou não. Assim entendemos, porque não nos enamoramos antes de sentir, mas sentimos para que o amor aconteça, mesmo compreendendo as diferentes possibilidades de sentimentos e as diferentes possibilidades de amar. O que se pode dizer, então, de uma relação amorosa? Como pode acontecer esta relação? Certamente entre pessoas que se olham, que se querem e passam de um simples olhar ou aperto de mão para o abraço, o beijo e, daí, às mais diferentes sensações que podem ser proporcionadas pelo encontro entre os corpos, independentemente de serem casadas ou solteiras as pessoas envolvidas, assim independentemente de serem as pessoas amigas ou não. Trata-se apenas de pessoas que se desejam, podendo elas passar do simples desejo a uma relação amorosa.
Com isso não quero dizer que deva, necessariamente, existir desejos entre amigos. Mas quero tão-somente dizer que esse desejo, além de ser possível, é muito comum entre as pessoas. Acontece que nas nossas relações pessoais, considerando-se o que se tem proposto como moral e imoral, e querendo portarmo-nos como moralmente aprovados, desviamo-nos dos nossos desejos mais íntimos quando nos encontramos interagindo com alguém que não deve ser eleito para a nossa parceria sexual. Por mais que achemos a pessoa bonita, sensual, alguém que inegavelmente desperta nossos desejos, pessoa com quem gostaríamos de ir para a cama, procuramos fingir para nós mesmos, e muito mais para os outros, que nada mais será possível entre as partes que uma relação de amizade, como se disséssemos para nós mesmos e para o mundo: “somos e seremos sempre amigos e nada mais”. Assim se portanto, cada um, por seu lado, no máximo, ficará com a incerteza de que o desejo está aflorando apenas em si. Ou seja: aquele que deseja a outra pessoa acredita que esta outra pessoa não lhe deseja, ou, quando muito, fica na dúvida se isso poderia estar ocorrendo com ou outro ou não. Mas fica a questão: Será que muitas vezes você não teve vontade de dizer dos seus sentimentos para com o amigo, mesmo quando acredita que ele jamais lhe desejaria? E se ele estiver lhe desejando também? E se o desejo nele for até mais forte que em você? Teria coragem de revelar isso para aquele seu amigo que, muitas vezes, poderá ser o namorado da sua amiga, o marido da sua amiga, o irmão do seu namorado ou o irmão do seu marido? O amigo poderia ser, por exemplo, o marido ou namorado da sua irmã. E o mesmo poderá, sim, acontecer com uma dessas pessoas em relação a você: pode estar despertando desejo em uma delas, sem que elas demonstrem os seus sentimentos, porque é preciso “evitar escândalos”.
Fomos todos domesticados a esse tipo de comportamento. Alguns, aqui e ali, rompem as correntes que os prendem aos costumes, transgredindo a moral vigente ao se portar de forma imoral. Mas o que não dizemos, ou fingimos não reconhecer, já estava dito pelo pensamento dos gregos, como podemos considerar no que diz Platão em seu Banquete, por exemplo. Nesta obra, o filósofo, depois de apresentar diferentes discursos para falar do amor, diz que a alma não ascenderá ao belo em si, sem passar antes pelos corpos belos. É, pois, o encantamento corpóreo que despertará a alma para o amor, uma vez que buscamos em cada um desses corpos a verdadeira expressão da beleza. Mas, com que corpos nós nos encantamos? Não é possível dizer antes desse encantamento, que surge no momento em que nos deparamos diante deles. E é bem mais possível esse despertar com o corpo do amigo, que temos bem mais próximo de nós, do que de quem não nos aproximamos ou nem sabemos existir. E se recorrermos à mitologia para falar do amor, compreenderemos também que, sendo filho da pobreza e do recurso, o amor encanta por ser carente; sendo assim, a carência faz o despertar do desejo do outro, quando nos encantamos, no momento em que nele se faz sentir a carência com que o amor se identifica ao nos aparecer encantador.
Se associamos o amor ao encantamento que se faz também como manifestação da carência, não sabemos quando ou com quem este encantamento e esta carência se revelarão. Por isso não sabemos com quem nos envolveremos amorosamente, antes desse envolvimento acontecer. E partindo do entendimento de que todos nós somos naturalmente homo eroticus¸ estamos continuamente desejando, ao passo em que somos também levados pela cultura ao policiamento do desejo, de modo que procuramos desqualificar os nossos desejos, ou os qualificamos segundo as determinações culturais. Impulsionados por essas determinações, acabamos nos portando como seres assexuados, negando para nós mesmos que as nossas relações de amizade poderiam ser, sim, muito bem definidas como relações amorosas, estando nelas incluídas, inclusive, as relações sexuais propriamente ditas, uma vez que não é possível falar de envolvimento humano sem a erotização das diferentes relações estabelecidas entre as pessoas. Isto significa que toda amizade se funda numa relação amorosa, fazendo parte dela, ou não, as relações sexuais. Assim sendo, a atração entre os corpos das pessoas amigas poderá se converter nessas relações sexuais, desde que essas pessoas se abram uma para outra, admitindo a reciprocidade do desejo.
Colaborador: MANOEL DIONIZIO NETO, professor de filosofia do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, com graduação em Filosofia na Universidade Federal de Pernambuco, Mestrado na Universidade Federal da Paraíba e Doutorado na Universidade Federal de São Carlos, autor de A presença do hedonismo e do pragmatismo na visão ética contemporânea, Questões para a filosofia da educação e outros títulos, tendo organizado alguns livros e publicado diversos artigos e capítulos de livros. E-mail: dionizioneto@uol.com.br